À moda de direito
- policiasdadoxa
- 9 de jul. de 2021
- 3 min de leitura
Por Agente Púpura
Em altura de exames nacionais e avaliações, onde os alunos estão ansiosos pelo fim de mais um ano lectivo, surpreendi-me com novos critérios de avaliação instituídos na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, desconhecidos até à data. Falo estritamente de Paulo Pulido Adragão – conhecido na instituição pelas suas posições conservadoras – que recusou entregar o enunciado de um exame a uma aluna por, alegadamente, esta estar “demasiado destapada”. Comecemos por partes: o que é estar demasiado destapada? Questiono-me: será que vestir determinadas peças de roupa, ao invés de outras, influencia o sucesso de uma prova? Esclareça-me Professor! Em 6 anos de universidade, sempre achei que o uso de cábulas seria a única razão válida para um docente me negar uma prova.
Estamos perante (mais) um caso explícito da misoginia que incorre na Academia. Mais um caso que, até ver, segue impune. Embora a denúncia tenha sido recente, pelo Núcleo da HeForShe do Porto, a Universidade ainda não tomou uma posição em relação ao tramite do docente. Parece-me, contudo, altamente insustentável deixar que um homem continue a exercer a sua profissão, focada na Educação (irónico, não é?), quando abusa da sua posição para impor princípios machistas.
A roupa que a discente vestia não tinha nada de mal. Não me perguntem o que ela vestia; eu não sei e tão pouco me interessa. Apenas sei que não tinha porque nenhuma peça de roupa é condenável. Nenhuma peça de roupa carrega uma justificação para um abuso machista.
A única coisa condenável foi a posição do Professor. Em vez de se questionarem, como vi tanta a gente a fazer, sobre o outfit da aluna, questionem o porquê de um homem ficar incomodado com a maneira como uma comum mortal escolheu sair de casa nesse dia. O que estava em causa? Avaliar os conhecimentos da aluna ou avaliar a roupa que ela decidiu usar porque (espero eu!) se sente bem com ela? Não encontro qualquer correlação para um professor se sentir desrespeitado no seu íntimo pela maneira como uma aluna se apresenta e usar o seu poder profissional para limitar a educação da mesma com base nesse preceito.
É castrador perceber que, nas caixas de comentários do Facebook (a típica praça pública da falta de noção), se assumiu que esta situação foi causada estritamente pelo pior da mulher, em contraste com as melhores intenções do homem. A sexualização do corpo feminino – que, desde já, contempla tanto o uso de burka como o uso de uma saia – é um problema intrínseco da nossa sociedade, longe de estar resolvido. Posições passivas nestas situações só beneficiam o à-vontade actual em julgar e exercer uma opressão desgastante sobre o corpo da mulher.
A aluna cedeu à coacção, vestiu um casaco e, ainda assim, o Professor Paulo só entregou o enunciado quando outro discente o alertou para a gravidade da sua conduta. O dia continuou para o homem mas, para a mulher, influenciou e limitou o exercício da sua liberdade e integridade num espaço que devia ser repleto de todo o seu direito. A própria instituição, no comunicado que apresentou, afirmou que “a FDUP é uma Faculdade de Direito pública sujeita ao regime do artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa, onde, por isso, não podem ter lugar quaisquer ‘directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas’”.
E não falo só nesse dia; sei, com toda a certeza, que este episódio terá repercussões no seu dia-a-dia. Cada comentário, cada olhar, cada reacção, por mais que pareçam mínimos aos olhos dos que não compreendem, vão descompondo gradualmente a nossa confiança no espaço público.
A misoginia assume várias formas. Desta vez, foi numa peça de roupa; na próxima, pode ser num comentário tão infeliz e generalizado como “vai ao gabinete do professor, de decote e saia, e consegues subir a nota!”. Desde quando é que o nosso valor académico é definido pela validação, e consequente objectivação, de um homem? Estamos cientes das nossas capacidades, obrigada.
A impunidade na Academia não é de hoje. Num lugar que devia ser o reflexo perfeito dos direitos individuais assistimos a situações deste carácter, ou ainda piores, mas isso ficará para outra cogitação.
É urgente reflectir sobre o nosso espaço público de Educação: é o único capaz de despoletar o mote para a mudança desta sociedade tão fechada e repressora.
À vítima, endereço a minha solidariedade.
Numa nota final, não faltou ela dar-se ao respeito: o respeito é dela por direito.
Agente Púrpura

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