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- policiasdadoxa
- 26 de fev. de 2021
- 5 min de leitura
Por Agente Cogito
Caros leitores, com o primeiro confinamento, talvez também por curiosidade e excesso de tempo livre, passei a ler os comentários e observações que eram feitos nas várias publicações nas redes sociais, sobre os mais variados temas, desde política, causas sociais, futebol e até sobre entretenimento. Com isto, passei a ter alguma atenção aos assuntos debatidos e aos temas abordados nesses espaços, especialmente no Facebook e no Instagram.
Não precisei de muito tempo para perceber que há um padrão de comportamento comum a muitos dos internautas, a uma grande parte até, quer seja a falar do Governo de António Costa, seja a falar da oposição ao Governo, seja a falar dos clubes de futebol, das arbitragens no desporto, de escândalos na sociedade, seja a falar da direita ou da esquerda política, seja sobre o big brother ou até sobre o vestido que uma apresentadora vestiu numa determinada cerimónia.
Nunca fez tanto sentido estudarmos a Filosofia que aprendemos no Secundário como hoje em dia, sabermos as falácias ad hominem e a do espantalho, sobretudo, pois são aquelas que mais se cometem em todas as discussões a que tenho assistido. Aliás, a forma mais acessível e eficaz que arranjei para ajudar o meu irmão a estudar para o teste de filosofia foi enviar-lhe alguns comentários e posts que fui vendo ao longo destes últimos tempos… enfim, foi mais fácil ajudar do que estava à espera.
Bem sabemos que atrás de um computador todos temos grandes músculos e grandes capacidades de artes marciais, ninguém tem medo de nada. É muito fácil escrever um conjunto de ofensas e carregar no publicar, quase tão fácil como beber um copo de água.
Nos dias de hoje, quando alguém vai contra aquilo que algumas pessoas pensam, imaginam ou defendem, há uma reação de contra-ataque sem piedade. Deixou de interessar debater e trocar ideias, o foco passou a estar exclusivamente no sair por cima das discussões, seja de que forma for, a todo o custo.
Se alguém critica a direita política, por exemplo, até mesmo com argumentos bem estruturados e fundamentados, esse alguém é atacado por outro alguém que tenha uma ideia contrária, chamando-lhe “comuna de m**** ” ou dizendo “não te levo a sério, és um f** de um comuna”, o mesmo acontece com alguém que ataque a esquerda, igualmente com argumentos válidos e bem estruturados, vemos sempre outro alguém a dizer “seu facho de m**** “, “seu nazi, nem devias ter direito a internet para dizimar o teu ódio”. Ou então no futebol, que é um exemplo paradigmático daquilo que é levar as emoções a controlar uma racionalidade humana, quando alguém faz um comentário contra uma arbitragem que favoreceu ou prejudicou um clube e ouvimos logo “seu lampião (ou tripeiro/lagarto), devias morrer, seu porco”, por exemplo.
Penso que conseguimos bater mesmo no fundo. Desculpem, bater no fundo não, que o chão de lama não tem fundo, é sempre possível escavar mais um bocadinho.
Atenção a uma nota muito importante: claro que há situações que não podem ser toleradas, que não podemos mesmo tolerar nem permitir, há comentários que devem ser denunciados e banidos, claro que sim, mas agora descermos o nível em manada como se fosse uma montanha russa de valores éticos e morais é demais. Mas isto é o básico da convivência humana e social.
Tudo o que for contra os limites do razoável, do bom-senso, do saber-estar e daquilo que é um padrão elementar de educação, como é natural e óbvio, jamais poderá ser tolerado ou ignorado. Mas e o resto?
Outro dos fenómenos que assisti foi ao crescimento do poder de manipulação que as palavras têm numa rede social. Falo da manipulação que os líderes políticos, os intervenientes mais influentes da sociedade, e a própria comunicação social, conseguem ter ao dizer algo.
Hoje, se um líder político, por exemplo, disser que o céu é roxo, teremos um conjunto de internautas divididos entre aqueles que lhe chamam nomes por ser isto ou aquilo e outra parte dos utilizadores, principalmente os seus apoiantes, a baterem palmas e a irem defender aquelas palavras com unhas e dentes, chegando até mesmo a morder, se for preciso, só para defender que o céu é roxo.
Há uns tempos vi uma imagem com a seguinte reflexão:
Mundo antigamente:
- Eu gosto de peras.
- Boa, eu gosto de maçãs.
- Ok, boa, fazes bem. Abraço
Mundo de hoje:
- Eu gosto de peras e tu?
- Eu gosto de maçãs.
- Mas tens algum preconceito contra peras?
- Não, apenas prefiro maçãs.
- Impressionante, tu odeias peras!
- Eu nunca disse isso!
- Devias ter vergonha em odiar uma fruta que tanta gente gosta e faz bem à saúde, dás-me nojo!
- Mas eu não odeio peras, já disse que apenas prefiro maçãs!
O meio-termo foi esquecido por muitos, passámos do 8 para o 80, ou estás do meu lado ou estás contra mim…
E é muito isto que tem vindo a acontecer, é muito isto que acontece no nosso dia-a-dia nas redes sociais. Não é esta a sociedade que eu quero para o meu futuro. Não quero uma sociedade em que tudo o que for dito de forma diferente é censurado, tudo o que for contra uma maioria é humilhado e tudo o que for opinião contrária a algo, dentro dos limites do razoável e da normal convivência, limites que falei em cima, é atacado de forma feroz e sem piedade alguma, como que de uma polícia da opressão se tratasse.
Não temos noção da dimensão que alguns comentários podem ter ou atingir. Eu não consigo perceber o que origina isto, se é frustração, se falta de nível, falta de educação, falta de noção ou apenas desejo de protagonismo. Parece até que algumas pessoas têm um “barómetro” para tentarem ver até onde conseguem ir, até onde conseguem humilhar, magoar e denegrir, parece que tentam saber os limites da sua mesquinhez, malvadez e agressividade para com os outros.
Este bullying tem de parar de existir, não faz bem a ninguém, nem a quem sofre, nem a quem o faz. Só para não falar da forma como um boato ou uma história mal contada consegue denegrir a imagem de alguém, das proporções que tudo isto tem na vida profissional e pessoal de alguém, muitas vezes histórias infundadas e criadas apenas para vender a capa de um jornal.
Falando de limites… ai, ai os limites, onde é que eles estão? O problema é que a própria lei e a sociedade, através dos costumes e da cultura, estabeleceram os limites daquilo que é o razoável, aceitável e tolerável. Eles existem, caros leitores. A questão é que quem está atrás do teclado tem uma facilidade enorme em apagar esses limites e voltar a estabelecê-los, mas um bocadinho mais à frente, parecendo que andamos a jogar ao jogo do macaquinho do chinês, em que sempre que viramos as costas alguém dá uns passinhos para a frente.
Hoje, a prioridade de muita gente não está em discordar de uma opinião, em tentar ir contra e demonstrar a sua visão. Hoje, a prioridade está em espancar, humilhar, ferir e maltratar alguém, elevando o “orgasmo internauta” a uma conversa que deixou de ser uma conversa para passar a ser um campo de batalha, onde o menos ferido ganha.
Está na hora de fazermos um logout a tudo isto, aos ataques, aos “bullyings”, às faltas de respeito e faltas de empatia pelo próximo.
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