Sangue Tipo Homofóbico +
- policiasdadoxa
- 29 de jan. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 30 de jan. de 2021
Por Agente D´Arc
A pandemia e os crescentes números de mortos e infetados, os “sem noção” que a têm vindo a potenciar, as vacinas, que já sendo escassas, têm sido desperdiçadas por “falta de uma norma da DGS”, resultando num desperdício tal que serviria para a vacinação de 6 mil portugueses… Estas têm sido algumas das minhas maiores fontes de preocupação, mas não só.
Num mundo de olhos postos num ser invisível, os doentes não Covid vão ficando para trás. Para estes, os centros de saúde e hospitalares têm agora menos espaço, menos recursos materiais e humanos e, para os mais imunodeprimidos, um maior risco de entrada no covidário.
Nos últimos tempos, deparei-me com notícias preocupantes acerca das reservas de sangue. Segundo o IPST, alguns tipos sanguíneos atingiram valores alarmantes, como O negativo, B negativo, A negativo e A positivo, sendo que este último, o mais prevalente na população, apresentava quantidades suficientes para apenas 4 dias. Existindo internados que semanalmente necessitam de 3 transfusões sanguíneas para se manterem vivos, não são necessários grandes cálculos para concluir que isto deve constituir uma preocupação de todos nós e um forte motivo para sairmos à rua.
Por forma a exercer aquilo que sinto ser o meu dever como cidadão, e já que o meu tipo sanguíneo é O negativo, tornando-me um dador universal, decidi agendar a minha dádiva de sangue. Felizmente, tive algumas dificuldades na marcação devido à interrupção da linha. De facto, a minha geração tem imensos defeitos, mas se há algo em que somos bons é na disseminação de informação via redes sociais. Rapidamente, o Instagram foi invadido pelos números de reservas de sangue disponíveis. Há quem vá criticar porque apenas fomos para publicar stories com a descrição “não custa nada, venham dar sangue”, eu considero que o que interessa é que fomos. E por favor, continuem a ir.
Mas o que me preocupou em relação a este assunto é de outra índole. Entre muitas das histórias semelhantes que ouvi, resumo esta: um jovem que, tal como eu, preocupado com a situação atual, decidiu inscrever-se para doar sangue; depois de horas na fila, obstinado entrou e embora não tenha realizado tatuagens nos 4 meses antecedentes, não tendo alterado de parceiro sexual nos últimos seis meses, entre outros requisitos, chumbou nessa mesma questão com a resposta “não é namorada, é namorado”.
Contextualizando, em 2016 os critérios relativos à dádiva de sangue em Portugal deixaram de se basear na orientação sexual, permitindo a homossexuais e bissexuais doar sangue desde que condicionados a um ano de abstinência sexual. Em 2017, a norma foi atualizada, passando a não especificar subpopulações com risco acrescido. Supostamente, a DGS iniciaria um “grupo de investigação para avaliar o nível de risco no contexto cultural e social português”, com coordenação do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge. Os resultados seriam conhecidos em 2017. Depois em 2019. Provavelmente, nunca.
Para os menos informados, uma das vantagens de doar sangue é que este é analisado e é possível receber os resultados dessa mesma análise, de forma gratuita, sendo a deteção do HIV um dos testes realizados. Claramente que aqui é necessário ter em consideração que um indivíduo com comportamentos de risco, por exemplo um trabalhador do sexo, representa uma dádiva perigosa, já que existe uma “janela” de deteção do HIV e um falso negativo pode resultar na infeção do recetor da transfusão sanguínea.
Ora, constasse a questão “praticou sexo anal nos últimos x meses?” na lista de requisitos para um dador de sangue seguro e eu talvez não considerasse esta situação um ato de pura discriminação, ainda mais por falta de informação e legislação. É socialmente indecente e reprovador que este problema, que nada tem de novo, ainda se verifique, especialmente numa atualidade em que as reservas de sangue são tão escassas.
Certamente que os que estão agora numa cama de hospital à espera de uma transfusão sanguínea não se iriam arriscar neste momento a ser homofóbicos…
Haja paciência. E até isto mudar, continuem a doar sangue.
Agente D´ Arc

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