Preto no Branco: Episódio 1
- policiasdadoxa
- 16 de jun. de 2021
- 6 min de leitura
Por Agente Cogito
Caros leitores, confesso-vos que este texto já estava concluído há meses. No entanto, as minhas preocupações em escolher os melhores exemplos e as melhores palavras foram reais e levaram-me a reformular tudo várias vezes. O texto que vos trago hoje, dividido em duas partes, é um texto sobre um tema que persiste, infelizmente, em existir na sociedade: o racismo.
Começo por evidenciar que o racismo é um assunto bastante delicado na nossa sociedade. A exigência de uma análise perspicaz é real, bem como uma preocupação acrescida na escolha das palavras e da abordagem.
É um tema que acaba por ser tão “sensível” que faz com que muitas pessoas acabem por ter, mesmo que inconscientemente, um certo receio de falar dele, em abordá-lo na sua plenitude, evitando assim as interpretações erradas e deturpadas que uma simples palavra pode ter, num determinado contexto e numa determinada situação.
O espírito deste projeto é exatamente o oposto, sendo imperativo não termos receios em falar, em abrir a discussão, em criticar o que tem de ser criticado, em identificar os problemas e em procurar as possíveis soluções.
São várias as teorias que procuram explicar o pecado da raiz original do racismo, sendo consensual, entre vários teóricos, que este “nasceu” com a escravatura, com o colonialismo, no momento em que alguns povos se sentiram superiores a outros, ao ponto de escravizarem os “indígenas” e todos aqueles que eram de culturas, etnias ou nacionalidades diferentes. Ou seja, esses povos estavam condenados à nascença, pela simples e única razão de serem diferentes daqueles que se julgavam superiores.
Hoje em dia, depois de tantas experiências que já vivemos no passado recente, com tanta informação disponível e de fácil acesso, mesmo com a evolução dos conhecimentos e da educação, com tantas abordagens em filmes e documentários, continuamos, inacreditavelmente, a ter este grave problema no nosso mundo e na nossa sociedade portuguesa.
Esta “semente” do racismo deu origem a uma erva daninha que teima em não desaparecer, erva daninha esta que nunca devia ter tido vida no jardim da nossa sociedade.
É imperativo que todos os comportamentos ou atitudes que procurem afirmar, direta ou indiretamente, que existem etnias superiores a outras sejam, prontamente e convictamente, repudiados por cada cidadão que os observe, por cada um de nós, e não apenas pela Justiça. Cada um de nós tem um papel fundamental nesta “frente de fogo”.
Quando falo em racismo, nesses comportamentos racistas e xenófobos, falo de todo e qualquer tipo de racismo. Não falo apenas da etnia x com a etnia y, falo também da etnia y com a etnia x. O racismo não é um problema de uma única etnia, região, nacionalidade ou cultura. O racismo tem de ser visto como um problema de todos, um problema da sociedade.
Para quem acha que em Portugal e na Europa não há racismo ou há muito pouco racismo, como alguns afirmam, aconselho analisarem os vários factos que temos constatado na última década. Vejamos alguns:
A começar pelo futebol, por exemplo, o caso de Marega, em Guimarães, que foi insultado e humilhado com sons a imitar macacos, sendo isto uma tremenda falta de respeito, ética e de desportivismo, ao nível do tempo da Grécia Antiga.
Podemos também falar da contratação laboral, em que muitas pessoas de origem africana e de cor não são contratadas por serem dessa etnia, com o argumento do “sotaque”. Também há relatos de vários casos de racismo nas políticas dos arrendamentos, em que os senhorios preferem arrendar as suas casas a pessoas portuguesas e brancas (uma experiência social do Jornal Público, de 2017, comprova isto mesmo).
Um estudo da Universidade de Sheffield, baseado num outro estudo da Universidade de Harvard, demonstra que os europeus brancos (cerca de 145 mil participaram no estudo) associam o “rosto negro” a ideias negativas.
Consultando os Censos de 2011, é possível perceber que os portugueses, em relação aos cidadãos dos PALOP, ocupavam lugares de representação de poder até quatro vezes mais. Igualmente, no mesmo estudo, percebemos que os portugueses ocupavam cinco vezes mais cargos e atividades intelectuais e científicas.
No entanto, como referi em cima, é importante percebermos que também existe preconceito de negros com brancos, que isto não se trata de um problema isolado de uma única etnia, sendo necessário um esforço de todos para o combatermos, de todas as pessoas, sejam elas brancas, negras, azuis ou amarelas, falo de todas as pessoas de todas as etnias.
Vejamos, por exemplo, as palavras de Joacine Katar Moreira, que até é deputada, quando diz que “eles, os brancos, é que cometem racismo”. Ou quando diz que “o feminismo branco é intrinsecamente elitista e racista, as mulheres brancas não me representam”.
Face a estas afirmações, surgem-me várias questões: todos os brancos são racistas? Então eu agora também sou racista? Quando é que eu fui ou tive um comportamento racista? Será que, depois dessas palavras, os meus amigos negros, com quem privo e adoro falar sem sequer “pensar” ou “lembrar” da cor da pele e vice-versa, e em que o tema do racismo “nem sequer é assunto”, vão continuar a olhar para mim da mesma maneira se tivessem em conta essas afirmações? Agora, todas as mulheres brancas são assim elitistas e racistas? Não creio que seja sensato praticarmos esta constante falácia da generalização precipitada.
Está na hora de começarmos a acordar enquanto sociedade.
O racismo não tem o lado dos brancos, o lado dos negros, o lado dos azuis ou o lado dos amarelos. O racismo só tem um lado: o lado errado.
Esta ideia de querer combater o mal com o mal é completamente disparatada, ignorante e inútil. Aquilo que temos de procurar passa por darmos de beber a água da sabedoria e tentar que todos a bebam.
Caros leitores, o tempo de abrir cabeças já passou, temos de ser melhores que isso, interessa-nos sim abrir mentes. É com uma atitude exemplar, com a instrução e com a palavra, com a força da palavra, que conseguimos combater o mal, esse é o caminho.
Está na hora de pararmos de “assobiar para o lado” e percebermos que este problema, além de ser constante na história da civilização, é grave, real e atual.
Há muitas outras situações que me causam uma mistura de sentimentos, entre orgulho e tristeza. Vejamos, em mais um exemplo, as reações que muitas pessoas tiveram ao ver um jornalista negro e de rastas a apresentar o telejornal da SIC.
Não era suposto pensarmos que a SIC esteve bem em fazer história, mesmo que tenha estado muito bem (que esteve). Era sim suposto dar os parabéns ao Cláudio França por ter conseguido aquele lugar, por ter conquistado aquela “cadeira” e estar a crescer no seu percurso profissional. O problema de tudo isto é que, infelizmente, as reações são normais e naturais dos nossos tempos, pois estamos ainda muito atrasados na nossa evolução enquanto sociedade.
Ao longo da minha vida, lamentavelmente, já assisti a várias situações de racismo. Concluí que o racismo não se limita a uma atitude negativa perante alguém de outra etnia, por esta ter uma cor de pele diferente, numa situação isolada. O racismo é também tratar alguém de forma desigual, é tratar um desconhecido com desprezo apenas por este ser negro ou branco, é demonstrar indiferença, é ter ideias preconceituosas, acabando por transformar a intolerância à diferença numa pesada âncora nesta nossa caminhada, prendendo-nos e não nos deixando evoluir.
Outra coisa que temos de refletir é quanto à imagem de crime associada às pessoas negras dos bairros sociais, em Portugal. É verdade que há uma forte taxa de criminalidade, sabemos que sim. Mas não nos podemos esquecer que as próprias teorias sociológicas do crime explicam que o Homem é um produto do meio e que o meio é produzido pelo Homem.
Assim, temos também de olhar o problema a montante e não a jusante. Se estes são excluídos e as populações imigrantes são empurradas para as periferias e para os bairros sociais, é o próprio meio que se encarrega de, à priori, começar a alimentar e a formar estigmas que culminam na discriminação e na criminalidade.
Em sequência disto, estas pessoas, ao se sentirem discriminadas e deixadas de parte, vão também reagir e agir nesse sentido, no sentido que a sociedade lhes “pede”. Ao existir discriminação, também a igualdade de oportunidades é esquecida, originando, inevitavelmente, uma maior miséria, pobreza e, consequentemente, uma maior criminalidade nesses bairros.
Isto tudo é uma grande bola de neve que desce a grande montanha da segregação social. É um ciclo que tem de ser interrompido com a máxima urgência, através da inclusão social e da instrução das mentes retrógradas e em formação.
Não interessa saber quem empurrou esta grande bola de neve. Interessa sim fazê-la parar. E digo-vos: nunca vi um Homem a conseguir fazê-lo sozinho.
Acorda, sociedade. Acorda, Portugal.
(CONTINUAÇÃO NA PARTE 2)
Agente Cogito

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