O Jardim dos Corleones – uma crítica à política portuguesa
- policiasdadoxa
- 25 de abr. de 2021
- 6 min de leitura
Por Agente Cogito
Caros leitores, cá estou eu a fazer o que mais gosto: escrever-vos e viajar convosco. Hoje, como já fizemos em textos anteriores, vamos ter novamente uma viagem.
Antes de entrarmos a bordo desta nova aventura, convém tirarmos algumas notas, nomeadamente do filme “O Padrinho”.
Francis Coppola, neste seu filme, de 1972, procurou retratar o estado da sociedade em 1945. A corrupção, o tráfico de influências, os jogos de poder e de interesses, a decadência da Justiça e o crime organizado, de todo o tipo, eram mais que patentes naquele tempo.
A chave do “cofre” para a verdadeira fortuna do Padrinho passava, essencialmente, pelos seus contactos e pela sua influência, principalmente na Política e na Justiça. Esta influência devia-se muito à forma como intimidava os seus “inimigos” e se impunha contra quem lhe fizesse frente, controlando, por completo, todo tabuleiro do Xadrez.
Eram várias as pessoas que se dirigiam a Don Corleone, pedindo-lhe que as ajudasse a atingir os seus objetivos, ou seja, pediam-lhe um favor. No entanto, através de uma postura de intimidação, de poder, controlo e ameaça, o Padrinho dava com uma mão e tirava com a outra. Essas pessoas ficavam a dever-lhe um favor, que mais tarde poderia ser cobrado.
Após esta introdução, penso estarmos em condições de respirar fundo e iniciarmos esta a nossa caminhada.
Desta vez, iremos viajar até um jardim muito perigoso, cheio de armadilhas e perigos. Todo o cuidado é pouco, tenham atenção para não serem pisados ou para não pisarem nada.
Este jardim é de Don Vito Corleone, o famoso Padrinho, chefe de uma das famílias mais poderosas daquela época, um dos principais líderes da chamada “máfia”, sendo uma pessoa que era tanto respeitada quanto temida.
Don Corleone dividiu este seu jardim em dois espaços. De um lado, existem ervas-mouras, ervas daninhas e plantas carnívoras, parte esta que é regada com água suja, escura e que cheira mal, o que faz com que a mesma se desenvolva mais depressa, uma vez que esta água tem mais nutrientes e serve como adubo para os solos. Esta é a parte preferida do Padrinho, ele chega mesmo a dizer que se revê e que estas plantas foram feitas “à sua imagem”.
Na outra parte, temos um terreno menos desenvolvido, com menos destaque. Este lado tem tamareiras, trepadeiras e roseiras. Este é o lado que Don Vito Corleone menos gosta, com que menos se identifica, regando-o apenas com água limpa, clara, transparente e potável, sem os nutrientes da água suja.
Importa começar por analisar as ervas-mouras, que são plantas com flores iguais às do tomate e da beringela, parecendo ser comestíveis e com um aspeto muito bonito. No entanto, estas conseguem ser bastante tóxicas, capazes de “matar um cavalo”, não sendo exatamente aquilo que aparentam, capazes de “matar” através da sua falsidade e da sua falsa aparência.
Já as ervas daninhas, que podem ser consideradas plantas invasoras, aparecendo, muitas vezes, nos locais e nos momentos indesejados, podendo interferir negativamente com a agricultura. Estas, interferem com a plantação do local ou até mesmo com o crescimento e florescimento de outras plantas. Podemos dizer que são plantas do estilo “parasitas”, que se pegam às boas plantas e as “sugam”, ao ponto de as matar, destruindo a cultura em questão.
As plantas carnívoras são aquelas que dispensam apresentações, sendo do pior que há neste jardim, quase ao estilo do polvo, do Sermão de Santo António aos Peixes, de Padre António Vieira. Estas, além de uma aparência muito bonita, conseguem ser ainda piores que as ervas-mouras, uma vez que, se nos aproximarmos e lhes tocarmos, quando lhes damos a mão, corremos o risco de ser mordidos e “comidos”, estando sempre à procura de uma presa.
Debruçando agora as nossas atenções para o outro lado do jardim, para o lado que é regado com a água cristalina e límpida, podemos começar por analisar as tamareiras. As tamareiras, além de darem as tâmaras, que são ricas em proteínas benéficas para o Homem, com um sabor característico, doce e intenso, há uma ideia subjacente a estas: simbolizam a esperança e a produtividade.
Na cultura Egípcia, há um provérbio que refere “o Homem justo é como as tamareiras”, existindo a ideia que “quem planta tamareiras, não colhe as suas tâmaras, apenas os seus filhos e netos”, uma vez que demoram muitos anos a dar frutos. Este é também o simbolismo de valores que devem existir, representando o sacrifício do trabalho em prol dos outros, das gerações vindouras, o altruísmo e as boas intenções, preocupando-se mais em deixar a semente, do que colher o fruto em si. Estas, ao contrário de outras, procuram implementar valores, já outras procuram aproveitar-se deles.
Já as trepadeiras, conseguem ser muito belas, não só pelas suas flores, como pela magnífica decoração que proporcionam. Estas, ao contrário de outras plantas, conseguem subir e trepar, em direção ao sol, por si só, sem necessitar de grande intervenção do Homem, demonstrando a seriedade, a honra e a correta ambição. Há outras plantas que precisam sempre de um suporte, como alguns políticos e “jotinhas” que estabelecem as suas relações com os seus “padrinhos”, procurando antes plantar a semente do compadrio e do manto da corrupção.
Chegando agora às roseiras, estas conseguem ser muito belas, destacando-se neste grande jardim. No entanto, são cada vez menos, tendo cada vez mais espinhos e menos rosas. Estas, ao contrário de plantas como as silvas, por exemplo, podem picar com os seus espinhos, quando nos aproximamos na primeira abordagem, mas, mesmo assim, olhando para as suas rosas, podemos dizer que as boas intenções, a pureza, a beleza e o seu simbolismo de paixão, no fundo, todos os valores que nos devem guiar na vida política, não desaparecem, conseguindo destacar-se ao lado de todas as flores, plantas e árvores de qualquer jardim.
Para clarificar, o jardim simboliza a política portuguesa no geral, que tem o seu lado positivo e o seu lado negativo. Que tem as boas e as más pessoas, as boas e as más intenções, motivações e interesses, os bons e os maus políticos. Um jardim que tem tanto de belo e dinâmico como de perigoso, estando impregnado de armadilhas.
A água simboliza a moralidade e a ética, sendo importante perceber que nem sempre é bom regar o jardim com a água que nos faz crescer mais depressa. É mais importante crescer devagar e bem, regando-o sempre pela torneira da boa água, da água transparente e correta, do que beber a água escura e suja que, mesmo que nos faça crescer mais depressa, não é potável, acabando por nos intoxicar.
Quanto às ervas-mouras, às ervas daninhas e às plantas carnívoras, estas são a figura metafórica daquilo que há de mau na política portuguesa, de alguns dos defeitos dos Homens políticos, no fundo, aqueles que deviam passar a beber apenas da água potável e limpa, para evitarem acabar por se intoxicar. No fundo, todos estes não passam de pequenos Corleones, não admirando que Don Vito goste tanto deles.
Da mesma forma, as tamareiras, as trepadeiras e as roseiras são tudo o que há de bom na política, devendo ser regadas com a água transparente e limpa, continuando a embelezar a política em Portugal e no Mundo. Devem servir como guias para as gerações mais novas, honrando os valores da nossa Democracia, simbolizando os bons Homens e os bons políticos.
A árvore dos favores e dos favorzinhos tem de deixar de existir, bem como os seus frutos, pois estes são bastante venenosos para a saúde do Estado de direito democrático, inibindo o justo e regular funcionamento das Instituições.
Baseando-me nas palavras de um bom amigo da Faculdade, num dos seus artigos sobre a política das juventudes partidárias, há, efetivamente, um sentimento generalizado de descrença na figura do político. Cada vez mais, de forma mais ou menos vincada, fazer política, comentar e fazer parte de um partido político é visto como “cadastro”. Talvez esta descrença explique as elevadas taxas de abstenção, que aumentam a cada ano, bem como a menor participação dos jovens na política.
Por fim, cabe-me apenas deixar, como já é habitual, um desejo que quero muito que se concretize, para bem de todos e do futuro da política portuguesa: que as ervas-mouras, as ervas daninhas e as plantas carnívoras passem a ser regadas com a boa água, que as tamareiras, as trepadeiras e as roseiras não tenham medo de florescer e que os “Corleones” deixem de brilhar no jardim da nossa democracia.
Dedicado, com carinho e saudade, à minha querida avó.
O vosso Agente Cogito

Bình luận