O copo meio cheio
- policiasdadoxa
- 3 de fev. de 2021
- 5 min de leitura
Por Margarida Pereira (convidada)
O que aqui escrevo não é mais do que uma pequena reflexão acerca dos resultados eleitorais e de algumas considerações que penso serem importantes para o nosso futuro.
Escrevi, apaguei, escrevi e apaguei novamente. Eram muitos os sentimentos e tive receio de fazer uma interpretação demasiado emotiva e pouco racional. Então, decidi esperar uma semana para entender de forma clara o panorama político e social português.
24 de janeiro de 2021.
Neste dia assistimos ao tão esperado veredicto das eleições presidenciais do ano de 2021. Penso que posso falar pela maioria ao afirmar que o resultado do primeiro lugar não foi inesperado, pois não? E ainda bem que assim foi! Não estivesse Portugal inteiro, pelo menos todos aqueles portugueses que ainda acreditam e votaram pelos valores democráticos, apreensivos, para não dizer mesmo com medo, do veredicto daquele que seria o segundo lugar.
Pois bem, após várias horas de acompanhamento da noite eleitoral, com uma mistura de sensações entre o alívio trazido pela reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa e a incerteza deste segundo lugar, por tão renhido que foi até ao fim, refleti e sedimentei algumas conclusões.
Primeiramente, penso que, como em quase tudo na vida, podemos escolher olhar para as situações de duas perspetivas diferentes. Assim, podemos olhar para estes resultados da noite eleitoral como um “copo meio cheio”, na medida em que, ainda que com a elevadíssima taxa de abstenção de 60,51%, em muito influenciada pela atual situação pandémica que impediu milhares de pessoas de votar, 60,7% dos eleitores escolheram reeleger Marcelo Rebelo de Sousa, candidato do centro democrático.
Sem dúvida que a democracia ganhou. Perdoem-me dizer isto, embora pense que seja a opinião da maioria, mas fico muito feliz em ver que Portugal não emburreceu de vez.
Ora, isto deixa-nos com um total de 88,1% de votos nos restantes candidatos que, penso eu, podemos considerar democráticos, e 11,9% de votos para o candidato André Ventura. Julgo não ser necessário explicar o porquê desta distinção.
Bem sei que as opiniões a seu respeito divergem, mas como o que aqui faço é não mais do que expressar a minha opinião, volto a frisar que considero que, com o seu terceiro lugar, a democracia hoje ganhou.
Ressalvo assim os eleitores que perante o panorama apresentado de corrida ao poder de tal candidato dos “portugueses de bem” e de outras coisas que de peito cheio tem vindo a defender e que todos conhecemos, escolheram, na grande maioria, reeleger um candidato que, quer se goste mais ou menos, podemos ficar descansados em saber que irá assegurar os valores da nossa democracia.
Muito bem, Portugal!
No entanto, temos também o outro lado da moeda, a outra forma de olhar para a situação, as questões que a mim e a tantos outros preocupam (ou deviam preocupar), e que não se prendem exatamente com o hoje ou com o amanhã, mas sim com o depois.
O que será que vai acontecer em 2026? Bem sabemos que certamente teremos outros candidatos do centro, da esquerda e da direita que nos assegurarão uma escolha viável, mas será que teremos outro Marcelo Rebelo de Sousa, que tão bem soube ler as necessidades e preocupações do seu eleitorado, para nos “salvar”? Será que temos outra Ana Gomes pronta a lutar pelo segundo lugar, mesmo que não apoiada pelo seu partido? O que acontecerá nas próximas eleições autárquicas? E nas legislativas?
O resultado de 11,9% não é, felizmente, um número elevado face à maioria absoluta de Marcelo Rebelo de Sousa e aos 27,4% que se distribuem pelos restantes candidatos, no entanto, penso que as questões acima suscitadas não podem passar em branco e merecem a nossa maior atenção, por muito que o veredicto de hoje nos faça respirar de alívio.
Veja-se que em 2019, ano em que o partido CHEGA é fundado, este obteve apenas 1,29% dos votos nas eleições legislativas decorrentes no mesmo ano. Calma, bem sei que as eleições presidenciais nada têm, ou pelo menos não deveriam, ter que ver com partidos políticos, contudo, parece-me inegável a ligação dos ideais perpetuados pelo partido referido e aqueles que este candidato defendeu durante toda a sua campanha para as presidenciais. O resultado da combinação do discurso que utiliza com a atenção mediática que lhe é fornecida, de forma quase gratuita, mesmo sem sede de eleições e em comparação com outros candidatos, está à vista nos números que alcançou.
Em comentário aos resultados disse Miguel Poiares Maduro que “os grandes vencedores são os candidatos do centro direita e da direita, os grandes perdedores são os candidatos da esquerda, mas quem vai sair em crise destas eleições será o centro direita e a direita”. Apesar de não concordar que a esquerda tenha saído derrotada, mais uma vez ressalvando que os eleitores sabiam o que faziam ao votar em Marcelo Rebelo de Sousa, ou seja, também a esquerda participou na sua vitória, não posso deixar de concordar com a última parte.
Temo que futuramente, se nenhum bom senso nos valer, estaremos perante uma direita democrática fragmentada, sem líderes capazes de imporem os pilares da mesma, não sendo capaz de fazer frente à extrema direita antidemocrática e acabando por sucumbir a esta num esforço que mais parece ser o de retirar a esquerda do poder, do que aquilo que realmente deveria acontecer - um esforço que parte tanto de esquerda como de centro e direita, ainda que com base em ideais diferentes e eventualmente em espetros políticos opostos, para que em momento algum o Estado de Direito Democrático seja posto em causa.
O objetivo de manter a moderação e combater as ameaças à mesma deveria ser comum, e não um motivo de fragmentação. No fundo, há fins que não justificam os meios, e só com este pensamento se pode provar que o sistema político português não está “fora de prazo”, como há quem queira fazer crer.
Todas as questões acima mencionadas me fazem crer que não podemos ver só o copo meio cheio. Agora, mais do que nunca, temos de procurar saber mais, de ter mais informação e conhecimento, estarmos mais atentos ao que nos rodeia e aos problemas que assolam o nosso país.
Temos de repensar quais são os valores que queremos ver defendidos.
Só assim conseguimos passar por cima do discurso de ódio populista, só assim conseguimos educar o próximo para a importância de também este procurar informar-se, só assim conseguiremos lutar para que não fiquemos reféns de quem pretende desacreditar a democracia que tanto nos custou a conquistar.
O objetivo terá de passar por querer que o copo não esteja apenas meio cheio, mas sim a transbordar de água. Falo da água da democracia que todos temos de beber.
Margarida Pereira

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