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O autogolo do estado

  • policiasdadoxa
  • 1 de jun. de 2021
  • 3 min de leitura

Por Agente Tarrou


Há cerca de 5 meses viveu-se um período macabro onde Portugal surgia no plano internacional como o “país número 1 em casos de Covid”, onde muitos de nós sentimos, pela primeira vez, que o tão falado coronavírus estava a apertar o cerco. Felizmente, a situação foi controlada, a população pôde voltar às ruas, embora sempre em alerta. Portugal sobreviveu a uma investida feroz e é desde aí um país em ressaca. No entanto, parece padecer da inconfundível determinação efémera do ressacado face à ressaca, caracterizada pelo assertivo “Nunca mais!”, seguido do retorno ao mal que a causou. A terceira onda foi largamente provocada pela infortunada conjunção da variante britânica com a época festiva. Escrevo infortunada porque a verdade é que era difícil prever as consequências de um fenómeno que se deu no pior timing possível. A pesada lição deveria ter ficado aprendida, pois o Governo não podia voltar a falhar em situações críticas. Ainda assim, na minha opinião, falhou. Tudo isto por futebol.


Em primeiro, falhou na desorganização na festa do título do Sporting. É discutível se as autoridades dispunham dos meios necessários para controlar a euforia da conquista de um título após 19 anos de seca. Não obstante, foram tomadas decisões que deixam qualquer um a coçar a cabeça, especialmente a autorização da montagem de um ecrã gigante em Alvalade, onde, obviamente, se agregou uma enorme multidão. A justificação apresentada foi a falta de comunicação entre a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a PSP. Sabe-se que a última enviou por email o seu parecer negativo, email que entretanto se “perdeu”. A situação tornou-se mais caricata quando Fernando Medina, presidente da CML, afirmou que tal assunto não é competência da autarquia. Chega-se à conclusão de que, após mais de um ano em situação de pandemia, as autoridades não estão ainda esclarecidas para onde se devem dirigir para prevenir situações de alto risco, e que a própria (até agora desconhecida) autoridade competente não sabe como atuar perante uma circunstância com perfil de transmissão muito alto.


Em segundo, falhou na organização da final da Liga dos Campeões no Porto. Não é fácil compreender o porquê de Portugal ter sido o local escolhido para uma final totalmente inglesa, todavia, sabe-se que o Governo português teve que dar o “sim” para que tal acontecesse. Portugal é um país onde se respira futebol de modo que ser o anfitrião de uma final de tal relevância é sempre uma razão de orgulho. Mas não desta vez. Talvez tenha sido este orgulho irrisório, ou o pequeno incentivo ao turismo que era esperado, ou talvez até tenha sido uma forma de promoção de Portugal como um país seguro do vírus em televisões por todo o mundo que levaram o Estado a aceitar a final da prova. Por quaisquer razões que tenham sido, nenhuma parece ser suficiente para justificar as possíveis consequências. Juntaram-se no Porto os elementos para a tempestade perfeita – adeptos ingleses fervorosos, álcool e calor – e o esperado aconteceu: não houve qualquer respeito pelas regras, tanto cívicas como sanitárias, com a maioria das medidas de controlo a revelarem-se ineficazes. O que se sucedeu no Porto transpareceu uma conivência do Estado para o desrespeito total às medidas de controlo da pandemia em certas situações, abrindo precedente para outras tantas situações propícias a ajuntamentos em massa numa altura oportuna para tal, como é o verão.


A sensação de injustiça paira no ar. Todo o português que teve de fazer, ou ainda faz, algum tipo de sacrifício para sair deste enorme buraco, tem agora de assistir a uma espécie de sátira de todos os seus esforços, com autoria do Estado. Com o processo de vacinação a desenrolar-se com sucesso e o fim da pandemia no horizonte, seria esperado um maior rigor do Governo. Porém não só foi passada uma ideia de leviandade do Estado face à pandemia, quando este pede a maior seriedade e paciência à população nesta altura crítica, como também a ideia de que o Estado teima em cair nos mesmos erros do passado. O verão está a chegar, o país vai entrar em movimento pelo que resta agora saber se os infelizes eventos mencionados desencadearão uma repetição do cenário do último Natal, relembrando a ameaça da preocupante variante indiana que já se instalou no nosso país. A postura do “façam o que eu digo, não façam o que eu faço” que o Estado parece estar a adotar não vai, com certeza, ser bem recebida pelos portugueses, já muito cansados da pandemia, ao passo que o resultado final de todo o progresso feito até agora pode ficar comprometido devido a este verdadeiro “autogolo” do Estado. Esperemos todos que a margem de vantagem seja suficiente para o deixar irrelevante.


Agente Tarrou


Créditos imagem: https://www.flickr.com/photos/130393879@N06/

 
 
 

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