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Moçambique: o GPS avariado.

  • policiasdadoxa
  • 11 de abr. de 2021
  • 5 min de leitura

Por Agente Cogito


Caros leitores, começando por contextualizar os mais distraídos face a esta situação, prometendo tentar ser bastante sintético, Moçambique tem vindo a ser alvo de ataques jihadistas há mais de 3 anos, sujeitando-se a uma situação de terror, de mortes, violações aos direitos humanos e a tantas outras atrocidades que nos chocam só de imaginar.


Quanto a isto, tenho ouvido de tudo nas diversas conversas que fui tendo nos últimos tempos. Já ouvi que Portugal e a UE não se deveriam preocupar porque era um problema de Moçambique e que eles tinham dito “nem mais um soldado português”, na altura da sua independência. Já ouvi que o “Mundo” e a UE não estavam interessados em ajudar, que apenas estavam interessados em proteger os investimentos na exploração de gás natural de Cabo Delgado (falo das grandes multinacionais e de todos os lóbis políticos e militares). Outros defendem que não devemos intervir porque iremos sofrer represálias do Estado Islâmico, sendo melhor não ajudarmos do que depois sofrermos com isso. Por fim, ouvi que, em nome dos Direitos Humanos, as grandes potências militares deveriam intervir no terreno, mesmo sem a permissão do Presidente da República Moçambicano, Filipe Nyusi.


Nesta última região atacada de forma mais violenta, Cabo Delgado, mais concretamente a vila de Palma, junto à fronteira com a Tanzânia, está a ser montada uma enorme exploração de gás natural pelas grandes multinacionais, sobretudo a empresa TOTAL. A própria GALP tem ações de participação nessa mesma exploração, que é considerada uma das maiores refinarias de gás fóssil de África. Moçambique está a apostar fortemente nesta nova “mina de ouro” para alimentar o crescimento económico e melhorar as suas finanças públicas, estando esta exploração completamente ameaçada por todo este clima de tragédia que se faz sentir.


Os grupos de jihadistas entraram muito facilmente pela fronteira e demonstraram estar fortemente armados, até armados em mercenários, pois não tiveram qualquer piedade em matar, torturar, escravizar, ferir, violar, raptar ou destruir.


Neste momento, em que começamos a sentir uma certa revolta, convém assinalar que tudo isto não tem apenas um culpado. Convém lembrar que várias potências mundiais, como Portugal e outros países da Europa, já ofereceram ajuda, apoio militar no terreno, que já foram propostos planos de envio de vários militares, intervenção de forças de reação rápida, apoio logístico, sanitário e de treino militar.


No entanto, o Presidente Filipe Nyusi deu abertura a todos exceto à intervenção militar no terreno. Ou seja, aceita tudo menos que militares estrangeiros ajudem a “disparar”. Aceita tudo em nome da paz, mas restringe a intervenção no terreno em nome de defender (legitimamente, tudo bem) que Moçambique é e se procura preservar como Estado soberano, isto é, que consegue resolver a questão sozinho. Isto tudo depois de todos os relatos que nos têm vindo a chegar. Então o que será necessário acontecer mais para que assumam que precisam de ajuda militar externa? Quantos mais litros de sangue têm de ser derramados? Qual é o teto máximo de orgulho ou receio? Há barómetro que quantifique?

Quando foi com o furacão Idai, em 2019, a intervenção militar no terreno já foi aceite. Com uma invasão e ataque islâmico já “está tudo controlado” e a ajuda já é dispensável. Claro que Moçambique é um Estado soberano e tem toda a legitimidade para decidir quanto aos “seus assuntos”. Não tem é o direito, em nome de receios, de egos e orgulhos, de não aceitar ajuda militar para pôr fim a estes ataques sanguinários ao povo moçambicano.


O próprio silêncio prolongado e as intervenções de Filipe Nyusi são motivos de alarme, em que o importante é “não ficarmos atrapalhados” ou “perdermos o foco”, já que é isso que os “inimigos internos e externos querem”.


Veja-se que Portugal já enviou, após os ataques de Palma, 60 militares para darem formação militar às Forças Armadas e de Defesa de Moçambique, oferecendo apoio logístico, sanitário e humanitário, por exemplo.


Moçambique até pode provar, num futuro breve, que tem capacidade para solucionar a questão sozinho, mas os sinais não apontam nesse sentido. E o tempo está a contar.


Estamos a falar de uma crise humanitária em que há mais de 700 mil deslocados (segundo a ONU) e mais de 2 mil mortos (segundo a Agência Lusa). Os próprios militares Moçambicanos parece que estão mais preocupados em parecer o gafanhoto do Panda do Kung Fu do que em restabelecer a paz, parecem estar mais preocupados em se vingarem, como vimos em várias imagens, violando os direitos humanos, do que em afastar os invasores (recorde-se o vídeo de militares a espancar uma mulher nua e desarmada ou as filmagens de captura de alguns suspeitos jihadistas). Veja-se também que, ainda agora, mais de 600 moçambicanos foram repelidos da Tanzânia quando procuravam asilo, segundo a ACNUR.


Este tipo de cenário requer uma intervenção e ajuda humanitária urgente, quase “obrigatória”. Em Cabo Delgado, o cheiro a morte, a desgraça, as lágrimas, o terror, a dor e a miséria falam português. Isto não vos deixa agoniados e revoltados?


Mas também não posso deixar de pensar em outras questões. Estando este país a ser invadido já há mais de 3 anos, qual a razão para só agora se falar com mais frequência e alarmismo nestas questões humanitárias? Terão sido os interesses do gás, de natureza geoestratégicos e económicos que catapultaram toda esta vontade para uma urgente intervenção?


Há um ano e pouco, na reeleição do Presidente Moçambicano, vi uma clara tranquilidade de Marcelo Rebelo de Sousa, quando falou aos jornalistas sobre este tema… Como as coisas mudam.


Será necessário instalarmos refinarias de gás em todos os pontos de conflito para passarmos a dar o devido valor a questões humanitárias deste tipo e para as grandes potências decidirem fazer pressão para intervir com maior força? Afinal de contas, o que é que os “grandes senhores” querem proteger? O gás ou o “gajo”?


Será que a posição dos países externos não deveria também ser mais forte e firme quanto às suas intenções em acudir o povo moçambicano? Nem que fosse a nível jurídico-militar, no sentido de estabelecerem acordos internacionais que garantissem mais segurança à soberania moçambicana. Tudo isto nos deixa a pensar em tanta coisa…


O tempo anda, ele é quem manda, e está na hora de todos acordarem. Há gente a ser morta, torturada e violada a todo o momento. Incomoda-me imaginar o sofrimento dessas pessoas no curto espaço tempo que demorei a escrever este texto.


Deixemo-nos de ódios, medos, egos e rancores. Este problema não é de Moçambique, é do Mundo. O terrorismo não ataca e não irá atacar apenas Moçambique. Hoje é lá, amanhã é na Europa, em Portugal, nos EUA ou à frente da nossa porta.


Quando se fala de terrorismo, por muito que custe a muita gente, falamos da proteção de vidas humanas e não de politiquices, de jogos de poder ou de um saco de notas. Está na hora de passarmos a ser mais humanos, de deixarmos de lado o orgulho, de deixarmos de lado egos e azias que não nos deixam pensar de forma lúcida e altruísta.


Sabem qual é a nossa sorte? Foi termos caído da cegonha um bocadinho mais a norte. Foi termos nascido numa altura em que a única invasão que temos é a de familiares emigrantes que vêm passar o verão à “terrinha”. Agora façamos o exercício de imaginar que o GPS da cegonha se tinha avariado. E agora? Custa assim tanto sermos mais humanos?



O vosso Agente Cogito






 
 
 

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