EUA: A aVentura ao Capitólio
- policiasdadoxa
- 8 de jan. de 2021
- 5 min de leitura
Por Agente Cogito
Caros leitores, confesso que tínhamos tudo pronto para lançar dois textos de opinião sobre temas fraturantes na nossa sociedade, de certa forma relacionados com o tema de hoje. Porventura, no final da tarde de quarta-feira, fui surpreendido com uma invasão ao Capitólio, numa manifestação a favor de Donald Trump, pelos seus apoiantes.
A surpresa foi tão grande que, quando olhei de relance para a televisão, pensei que poderia ser uma curta-metragem de um filme de ação ou de crime, algo do género, ideal para uma noite de cinema no canal Hollywood. Mas não, estava redondamente enganado, as únicas câmaras que tínhamos ali eram as dos telemóveis, as da comunicação social, as de vigilância do edifício e as duas câmaras legislativas do país, a Câmara dos Representantes e o Senado.
No entanto, é fundamental que saibamos que quando se tratam de temas que põem em causa a nossa voz, a nossa liberdade e o nosso futuro, como é o caso, nós, cidadãos livres, conscientes e informados, temos sempre de ter algo a dizer, mesmo que o tempo seja escasso.
Isto é um caso de estudo. Não falo da invasão em si, falo daquilo que motivou a invasão.
Trump incitou os seus apoiantes, através do seu discurso e da sua conta do Twitter, a lutarem contra a “fraude eleitoral”, apelando à sua mobilização para o Capitólio, de forma a fazerem ouvir a sua voz, reafirmando que “jamais aceitaria a derrota”. E o que fizeram os seus apoiantes? Foram comprar armas, preparar engenhos explosivos e químicos tóxicos para invadirem aquela que é a Casa da Democracia dos EUA, um dos símbolos mais honrados e importantes da política norte-americana, partindo janelas, portas, saltando muros e derrubando barreiras de segurança, lutando contra tudo e todos, de forma selvática e descontrolada.
Este atentado ao espírito e alicerces democráticos de um Estado de direito foi apenas a “cereja no topo do bolo” de uma governação perigosa, irresponsável e desrespeitosa de Donald Trump, perante todas as Instituições democráticas e contra a própria democracia.
Isto tudo não passou de uma tentativa desesperada de não sair do poder e de justificar, perante os seus apoiantes, a evidência da sua derrota, algo que não me surpreendeu assim tanto.
Esta mobilização não foi apenas um atentado isolado aos pilares da democracia, foi também uma verdadeira ameaça, um verdadeiro alerta para os perigos que os discursos de ódio, extremistas e fanáticos podem originar.
O problema principal passa mesmo pelo facto destes manifestantes acreditarem, de forma cega e indubitável, nas palavras e na retórica de Trump. Acharem que este está a ser enganado e que ganhou as eleições. Acreditam mesmo nisto. Há aqui toda uma narrativa que os faz acreditar nisto de forma fanática e louca. Lá está, os perigos dos discursos populistas são mesmo reais, atuais e preocupantes.
Penso que não me irão achar maluquinho se disser que isto foi um “piscar de olho” a um “golpe de Estado” ou a uma “Guerra Civil”, uma vez que as imagens pouco seriam diferentes num cenário desses, sobretudo naqueles momentos de maior tensão, caos e violência. Trump demonstrou bem o seu caráter enquanto presidente, sendo que esta sua postura tem tanto de irresponsável, infantil e inacreditável como de perigosa.
Vejamos que, durante os ataques, Trump ainda teve a coragem de criticar o seu vice-presidente Mike Pence, acusando-o de ser cobarde, sendo que só passado 14 minutos se lembrou de pedir calma aos manifestantes, para agirem sem violência. Não sei bem como reagir a isto, estando eu a falar do Presidente cessante dos Estados Unidos da América.
No final deste ataque ao Capitólio, Trump ainda afirmou que esta invasão era resultado do roubo das eleições norte-americanas, afirmando mesmo “por terem roubado uma sagrada e esmagadora vitória eleitoral”.
Esta manifestação foi, como muitos comentadores referiram, o culminar de uma presidência que violou constantemente a democracia. Mas pior que isto, a meu ver, passa pelo facto da taxa de aprovação de Trump apenas ter descido 3% e estar ainda nos 43%, o que é ainda mais assustador.
Como é que isto é possível acontecer? Mesmo com esta postura de “birra” política, de incentivo ao ódio, de segregação social, de fomentar a separação entre americanos e atentados à democracia, principalmente depois de perder eleições, Trump ainda consegue ter uma legião de 43% a apoiar a sua candidatura... É caso para dizer que algo de errado não está certo, caros leitores.
Ana Catarina Mendes referiu que “não poderemos antever o que vai acontecer a 20 de janeiro, mas aquilo que vimos no Capitólio não poderíamos imaginar numa democracia consolidada”. Está tudo dito nesta afirmação.
Tal como já referi em outros textos publicados, todos os acontecimentos têm de ser vistos como aprendizagens e alertas para o presente e para o futuro. E lá está, esta aventura ao Capitólio tem de nos ensinar algumas coisas quanto a aVenturas futuras no nosso país.
A ideia de culto ao líder, de existir um exército pronto para lutar contra os “portugueses maus”, a cultura de fomentar a mentira e as fake-news, da contradição constante, as retóricas populistas e as posturas contra o sistema estão, cada vez mais, enraizadas na política e na sociedade portuguesa.
Há figuras políticas, disse bem “figuras”, que têm de perceber que a política não é o Big Brother, que na política não interessa causar o caos e a separação, que não interessa dar audiências ou canal, onde ser polémico não dá pontos. A política jamais será isso… estas figuras têm de perceber que toda e qualquer palavra terá repercussões na opinião e postura dos seus apoiantes, que têm uma responsabilidade social, cultural política, económica e histórica, que quando falamos em política, seja ela em que parte do mundo for, estamos a falar da nossa liberdade, dos nossos direitos, da nossa voz e do nosso futuro.
Já percebemos que o populismo e a demagogia conseguem limpar cérebros de muitos seguidores, ao ponto de os tornarem loucos, cegos e fanáticos, capazes de cometer as maiores atrocidades, até mesmo em países mais desenvolvidos e com democracias sólidas (aparentemente).
Não irei abordar neste texto a postura destas figuras políticas em Portugal, deixarei para outra publicação, no entanto, não podia deixar de alertar que há uma correlação direta entre posturas demagógicas, cultos ao líder e populismos, que ameaçam a toda a hora a democracia, e este tipo de acontecimentos.
É importante percebermos que um dos fatores mais potenciadores que consegue unir os Homens é o ódio em comum, falo do ódio partilhado por algo ou por alguém. Vejamos o caso do Holocausto, em que aquilo que uniu os nazis foi o ódio aos judeus. Também os cowboys se uniram em torno do ódio que tinham aos índios, por exemplo, ao ponto da existência dos cowboys deixar de fazer sentido se matassem todos os índios.
Apenas se estão a enganar se pensarem que só o amor une os Homens, isso não é verdade, infelizmente… o problema é que já muitos populistas se aperceberam disso.
É importante que estas cenas vergonhosas em Washington sirvam de bússola para muitas decisões que tomamos. Que este grave atentado à democracia, como nunca tínhamos visto nos tempos modernos, este verdadeiro assalto à decisão da maioria, da liberdade, da ordem e da democracia, sirva para salgar a terra e que a terra se deixe salgar.
Se de um lado há um ódio que une os Homens, do outro lado terá de haver o oposto. Está na hora de acordarmos e remarmos no sentido contrário em direção a uma maioria justa, sã, consciente e que respeite os pilares basilares da nossa Democracia.
Georg Lichtenberg referiu que “quando os que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”. Pois bem, que estes exemplos sirvam para libertar aqueles que obedecem e para oprimir os que comandam de forma perigosa.
Cuidado, o perigo está sempre à espreita, tenham atenção às aVenturas no Capitólio.
O vosso Agente Cogito

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