Cristiano Ronaldo e Coca-Cola: Um pontapé na atmosfera
- policiasdadoxa
- 21 de jun. de 2021
- 4 min de leitura
Por Agente Tsubasa
Começo este texto por admitir que não tinha, de todo, planeado escrever sobre a recente polémica que envolveu o capitão da Seleção Nacional de Futebol, Cristiano Ronaldo, na conferência de imprensa de antevisão ao jogo Hungria - Portugal, mas dada a quantidade de ruído e desinformação que se verificou ao longo destes últimos dias, não poderia deixar de tentar ajudar a explicar o que realmente aconteceu com a capitalização bolsista da Coca-Cola e deixar a minha visão em relação ao efeito rebanho e falta de espírito crítico por parte dos media.
Para os mais desatentos, a conferência de imprensa de antevisão ao primeiro jogo de Portugal no Campeonato da Europa 2020 foi marcada por um gesto particular de Cristiano Ronaldo. Ainda antes de responder a qualquer pergunta dos jornalistas, o jogador português retirou da sua frente duas garrafas de Coca-Cola, uma das principais marcas que patrocina a competição, e colocou numa posição de destaque uma garrafa de água, dando a entender que prefere beber água em detrimento do refrigerante.
Isto tinha tudo para ser apenas mais “material” para Insónias em Carvão e restante companhia nos divertirem ao longo dos próximos dias. No entanto, não só esse momento se virializou, como também ecoou por quase todo o mundo o ruído que esse comportamento de Cristiano Ronaldo haveria afundado as ações da empresa norte-americana em mais de 4 biliões de dólares.
O primeiro meio de comunicação a avançar com essa notícia foi o jornal desportivo espanhol Marca, que, como podem deduzir, se trata de uma fonte totalmente não especificada em mercados financeiros. Porém, isso não se verificou ser motivo suficientemente forte para que outros meios de comunicação, incluindo até medias especificados em mercados financeiros, ponderassem sequer se se tratava de uma informação incorreta. Ao invés, optaram por aumentar ainda mais o volume do ruído e essa notícia foi replicada milhares de vezes ao longo da semana.
Lendo o artigo do jornal espanhol, este alega que na segunda-feira, dia 14 de junho, à hora de abertura da bolsa de valores, 14h30 em Portugal, as ações da Coca-Cola estariam cotadas a 56,16 dólares. Portanto, este seria o preço ao qual uma ação estaria a ser negociada minutos antes da conferência de imprensa do internacional português. Sabendo que o tal gesto de Cristiano Ronaldo ocorreu nesse mesmo dia por volta das 14h45, o jornal Marca destaca que o preço da ação, às 15h de Lisboa, rondava os 55,22 dólares, e que essa queda do preço se deveu ao momento protagonizado pelo capitão da Seleção Portuguesa. Assim, é esta queda do preço da ação que suporta a tese defendida pelo jornal espanhol, tese esta que transmite que a Coca-Cola perdeu 4 biliões de dólares em capitalização bolsista uma vez que à hora de abertura a empresa estaria avaliada em $ 242 biliões e, pelas 15h, valeria “apenas” $ 238 biliões.
Chegou então o momento de conhecer o que realmente aconteceu. Primeiro que tudo, é mentira que a ação da Coca-Cola tenha estado cotada a um valor acima de 56 dólares durante a sessão de segunda-feira. Aliás, o preço referido pelo jornal espanhol refere-se ao preço de fecho do mercado na sexta-feira anterior. Na segunda-feira, as ações da Coca-Cola abriram a um preço de 55,69 dólares. E existe uma razão muito simples para este acontecimento.
Fazendo aqui um breve parênteses, as empresas que geram lucros podem optar por duas estratégias diferentes: reinvestir os lucros obtidos em novos projetos, pagar dívidas e recomprar ações; ou distribuir dividendos pelos seus acionistas. Assim, os dividendos não são nada mais nada menos do que parte dos lucros da empresa que são distribuídos aos seus investidores, como forma de remuneração.
Olhando em particular para o caso da Coca-Cola, trata-se de uma empresa estável que remunera os seus acionistas sob a forma de dividendos há mais de 50 anos. Este pagamento de dividendos tem sido feito trimestralmente. Assim, um acionista da Coca-Cola recebe uma parte dos lucros gerados pela empresa de três em três meses.
Dia 14 de junho de 2021, segunda-feira, o mesmo dia da polémica que envolveu Cristiano Ronaldo, tratava-se do “ex-dividend date” definido pela Coca-Cola. Ou seja, é o dia a partir do qual a ação se negoceia em bolsa sem que o acionista tenha o direito de receber dividendos no próximo período definido para esse pagamento. Logo, quem adquirisse a ação na segunda-feira já não teria direito a receber o dividendo de 42 cêntimos por ação no dia 1 de julho – data em que acontecerá o próximo pagamento de dividendos - enquanto que quem tivesse adquirido a ação na sexta-feira receberia esse dividendo nesse dia. Assim, como já seria de prever, na abertura do mercado, a cotação da ação ajustou de forma a refletir exatamente esse pormenor técnico, ainda antes de Cristiano Ronaldo ter entrado na sala de imprensa. Também é importante referir que mesmo após o famoso gesto, o preço da ação da Coca-Cola teve uma oscilação completamente normal durante a sessão de segunda-feira, e dentro de valores que até haveriam sido observados, por exemplo, na semana anterior. Portanto, é falso que tenha existido qualquer causalidade entre o gesto de Cristiano Ronaldo e a queda, aliás, o ajuste da ação da Coca-Cola.
Assim sendo, o que se pode concluir desta polémica toda é que se tratou de uma enorme imprudência dos meios de comunicação internacionais e, em particular, dos nacionais que se aproveitaram desta narrativa tentadora em que o “nosso Cristiano Ronaldo” até no mercado de ações causava estragos e demonstrava o seu poder de influência. No entanto, só existiu um problema… É que toda esta notícia era mentira! Não se compreende como é que jornalistas de medias tão prestigiados não tenham demonstrado o espírito crítico necessário em confirmar se a informação partilhada pelo jornal desportivo Marca seria verdadeira. É que se torna preocupante este efeito rebanho a que se assiste por parte dos meios de comunicação em que o principal interesse parece ser a captação de público e visualizações numa era onde as fake news atingem, por vezes, níveis irreversíveis. Por fim, resta-nos torcer que este episódio com as garrafas de Coca-Cola nos traga tanta ou mais sorte, assim como o microfone da CMTV.
Agente Tsubasa

Comments