Conflito de deveres ou de vontades?
- policiasdadoxa
- 13 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
Por Leonor Pereira (convidada)
Portugal atravessou recentemente uma das fases mais complicadas da pandemia, uma fase de contágio rápido, de aumento de mortes e de conflito de deveres entre quem devia ser salvo, quando a falta de ventiladores era cada vez mais evidente.
Portugal foi um país inicialmente elogiado pela forma como lidou com esta crise pandémica, foi um país exemplo, um país modelo, mas como nada dura eternamente, pouco tempo depois foi considerado o pior país do Mundo, tendo sido o país com mais casos e mortes por milhão de habitantes, chegando a estimar-se a existência de um número de doze óbitos por hora.
Olhando estes números e dados, contrapondo-os com as imagens que tivemos oportunidade de observar de filas de ambulâncias nos hospitais podemos, seguramente, dizer que algo não estava e continua a não estar bem, que aquela realidade que julgámos estar distante está agora à nossa porta.
O Conflito de Deveres é comummente exemplificado no Direito Penal em casos em que há falta de ventiladores e se tem de decidir qual a pessoa que terá direito ao mesmo e qual será a “sacrificada”, quem vive e quem morre, vindo tal temática prevista no artigo 36º do nosso Código Penal.
Quando sempre pensámos que isto seria apenas um exemplo, demos por nós no meio desta situação, vivendo-a na mais dura das realidades.
A grande questão que surge é percebermos se assistimos a um Conflito de Deveres ou de Vontades, afinal estamos e estivemos nesta situação porquê? Cabe a cada um de nós parar, pensar e refletir.
Estamos assim muito por culpa própria. Peço-vos que façam um exercício rápido, parem o que estão a fazer por uns momentos, esqueçam o ruído de fundo por um instante, abstraiam-se de tudo o que vos rodeia e recordem os nossos últimos meses. Recordem e atentem nas vezes em que as nossas vontades se sobrepuseram à pandemia, atentem nas vezes em que dissemos que “é só um jantar com o pessoal” ou em que afirmamos já estar cansados destas medidas de segurança e cedemos à tentação de as incumprir.
Já estão a recordar?
Agora, peço-vos que contraponham o Conflito de Deveres pelo qual os médicos estiveram a passar e o nosso Conflito de Vontades e pesem tudo na balança.
A resposta é simples, não é?
Os culpados somos nós.
Numa altura de dor, de desconcerto e de profunda tristeza, é imperativo termos em conta todas as mortes, todas as lágrimas, todas as pessoas que estão longe das suas famílias para as proteger, todos os abraços e beijos que ficaram por dar e todas as palavras e memórias que nunca se puderam criar.
Está na hora de sacrificarmos as nossas vontades, de deixarmos de lado os caprichos e de nos unirmos em torno de um futuro melhor. Está na hora de pensarmos nos nossos avós, nos nossos pais, nos nossos amigos, nos nossos conhecidos e até nos desconhecidos.
Está na hora de sermos mais humanos, de sermos menos eu e mais nós, está na hora de adaptarmos os nossos desejos, está na hora de vivermos a vida que não nos parece viva, mas que é a que nos é permitida.
Está na hora de deixar de lado o nosso conflito de vontades para que o conflito de deveres deixe de ser uma constante.
Leonor Pereira

Imagem Sapo - Magg - Wikimedia Commons
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