“Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão” - Crónica Desportiva da Doxa
- policiasdadoxa
- 5 de abr. de 2021
- 4 min de leitura
Por Pedro Azevedo
(Membro do Podcast Segundo Poste)
A 15 de Fevereiro deste ano, na companhia dos meus três amigos e companheiros de Podcast, foi debatido o “Estado de Sítio” do futebol português no episódio #78 do “Segundo Poste”. Abordámos as ameaças aos árbitros, os gritos de desespero dos dirigentes e a indiferença perturbante daqueles a quem incumbe prevenir a violência no desporto.
Recordo-me de ter comentado, nesse mesmo dia, que iria escrever sobre este tema, o qual a mim, completo apaixonado por futebol, tanta irritação e desagrado tem provocado. E sabem que mais? Então não é que hoje, passado mais de um mês, nada mudou e escrever sobre o que se passou continua atual? Surpreendidos? Pois, eu também não.
À imagem do ano de 2020, estamos em mais um ano atípico em muita coisa, mas no futebol português continua a reinar a confusão, a balbúrdia, a “lei do berro” e a “chico-espertice”. Tão bom, não é? O que seria de nós sem o habitual espetáculo degradante, com contornos de novela mal escrita e interpretada, na qual a Liga Portugal e respetivos clubes, Federação Portuguesa de Futebol, e Secretário de Estado da Juventude e Desporto (SEJD) tão bem nos habituaram?
Pois bem, antes de me debruçar sobre a tal confusão e balbúrdia a que me refiro, convém recordar aos mais desatentos que no espírito do SEJD está tudo a correr às mil maravilhas, contrariando a tese de quem acha que o nosso futebol não vive dias famosos. Segundo palavras do próprio SEJD, aquando do pedido de reunião efetuado pela Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol em resposta às ameaças de morte dirigidas a alguns árbitros e respetivas famílias no passado mês de fevereiro: “… nós temos um futebol cada vez mais reconhecido por todos internacionalmente. Quando olhamos para os nossos organizadores, a FPF goza hoje de um prestígio internacional que é absolutamente inequívoco e mais, que é merecido! A própria Liga tem feito um trabalho também muito, mas mesmo muito relevante, têm conseguido ao longo dos anos sucessivos melhoramentos. É nesse caminho que nós temos que ir.”.
Isto após dois jogos, nessa mesma semana, em que houve duras críticas à arbitragem, expulsão de um treinador, polícia no campo após o apito final de um dos jogos, um presidente a dizer “basta” na sala de conferências de imprensa, dados pessoais dos árbitros partilhados nas redes sociais e os mesmos e respetivas famílias alvos de ameaças de morte. Não se assustem, isto na verdade foi só mais uma semana habitual num “futebol cada vez mais reconhecido internacionalmente”, nas palavras do SEJD.
Ano após ano assistimos a comportamentos por parte de profissionais dos clubes, normalmente entre janeiro e março (ou seja, nos momentos em que começam a ter noção de que os resultados obtidos podem não estar de acordo com os objetivos preconizados no início da época), que visam exercer pressão, principalmente, sobre a Liga Portugal e o Conselho de Arbitragem, ao mesmo tempo que “sacodem a água do capote” junto dos seus adeptos e sócios.
Nos melhores campeonatos europeus, situações similares são exemplar e severamente punidas com a celeridade que se exige, enquanto que em Portugal este tipo de estratégias continua a resultar precisamente porque as sanções são o oposto das referidas, bem como pelo facto de essas pressões conseguirem surtir efeito, efetivamente.
Se somarmos outros problemas, tais como o reduzido tempo útil de jogo (o nosso principal campeonato está nos últimos lugares das ligas europeias com mais tempo útil de jogo); a falta de competitividade interna (decorrente, entre outras coisas, da enorme disparidade financeira entre os clubes) e consequentemente más prestações nas competições europeias; o constante clima de desconfiança e suspeição em torno dos árbitros e restantes elementos decisórios; a efetiva falta de qualidade dos quadros da arbitragem nacional; a deficiente e nada célere organização dos calendários e marcação de horários dos jogos; os regulamentos dúbios e a consequente demora nas decisões do Conselho de Justiça da FPF; será bastante fácil descortinar a razão que nos leva a considerar que o futebol português está em “Estado de Sítio”.
O mais preocupante não são apenas todos estes problemas que o nosso futebol tem, o pior passa mesmo pela ausência de vontade em encontrar soluções, tornando este cenário ainda mais assustador. É a “lei do berro” e a “lei de fechar os olhos e empurrar com a barriga” que funcionam nesta máquina estragada.
Mais uma vez, estamos aqui também a perder o comboio para outras ligas periféricas no que à aproximação ou redução de distâncias para com as ligas “big five” diz respeito. Na Holanda, Bélgica, Áustria, Escócia, entre outros, foram reformulados os respetivos quadros competitivos (por exemplo, através da redução de clubes nas primeiras divisões e a instituição dos “play-off”), tal como foram implementadas reformas estruturais quanto à organização dos respetivos campeonatos e também no que à distribuição de direitos televisivos concerne.
Aparentemente, em Portugal, teremos de esperar mais uma década para implementar medidas que possam tornar as nossas competições e os nossos campeonatos mais competitivos e evoluídos. O que será preciso acontecer para percebermos que esta realidade não é de cinema?
A Liga Portugal, a FPF e o SEJD repartem responsabilidades entre si e também com os clubes. São estes que se fazem representar na Assembleia Geral da Liga e decidem nas votações. São estes que “levantam a voz” quando perdem, contrastando com um ensurdecedor silêncio quando se procuram debater reformas profundas aos quadros competitivos, interessando-se muito mais pelas habituais guerras de “quintal”, em que cada um tenta gritar mais alto que o outro, em detrimento do bem comum do futebol português.
Em Portugal, continua a ser mais interessante, por exemplo, perseguir e importunar o trabalho de treinadores que ainda não completaram todos os níveis do curso de treinador (mas que respondem com toda a sua qualidade e mérito no trabalho de campo), ou mesmo forçar a implementação do grande cavalo de batalha do SEJD e de muitas pessoas que nunca estiveram numa bancada de um estádio de futebol (sim, falo de bancadas, não de camarotes), a aberração do “Cartão de Adepto”.
Gritos para um lado, desprezo para o outro. Acusações para um lado, suspeições para outro e assim segue o futebol em Portugal, porque em “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.
Pedro Azevedo

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