Cartão vermelho à abstenção
- policiasdadoxa
- 23 de jan. de 2021
- 7 min de leitura
Por Agente Cogito
Caros leitores, o dia D está a chegar, o dia de todas as decisões quanto ao futuro da Presidência da República Portuguesa. Como já tive oportunidade de escrever, numa publicação de 6 de dezembro, estas eleições presidenciais têm uma enorme importância política e social.
Não irão apenas definir o próximo Presidente da República, serão também a expressão das preferências dos eleitores portugueses face aos discursos e políticas extremistas e mais agressivas, especialmente quanto à força do partido CHEGA no nosso eleitorado.
No último mês temos assistido a uma discussão nacional, não só nas redes sociais como em qualquer “conversa de café”, quanto às políticas e postura de André Ventura, nomeadamente nos debates presidenciais, conseguindo atrair várias atenções dos portugueses, até daqueles que não sabiam que estamos em ano de eleições presidenciais.
Assim, podemos dizer que se fomentou o debate de ideias, a crítica, a reflexão, a informação e a consciência eleitoral, talvez mais que nunca, não só pelo facto de vivermos tempos desafiantes, como pelo facto de estarmos perante uma iminente ameaça às estruturas elementares da Democracia. Até aqui, julgo que o cenário é maravilhoso, uma vez que há preocupação, interesse, informação e vontade de lutar por aquilo em que acreditamos, em manter viva a nossa Democracia.
No entanto, segundo muitos especialistas em matérias eleitorais, podemos correr o risco de ter um valor recorde de abstenção, um número que, no pior dos cenários, pode até atingir os 70%/75%.
Sabemos que há cada vez mais portugueses a preferirem não votar, a preferirem deixar a decisão nas mãos dos outros, a optarem por não se interessarem em decidir “como” e “por quem” é que querem ser governados e representados.
Durante algum tempo, pensei que isto acontecia por falta de motivação dos portugueses, sobretudo dos mais jovens, que era uma questão de “estímulo externo”. Hoje, julgo que não será isso. O que motiva a abstenção é, em primeiro lugar, a falta de interesse e noção da importância do voto na sociedade em que vivemos. Claro que há muitas razões, até demasiadas, mas esta parece-me que surge em primeiro plano.
São vários os motivos que apontam para o hipotético valor recorde destas eleições, a começar pelo facto de que em anos de recandidaturas do Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa), por norma, os níveis de abstenção aumentam, sendo algo observado desde 1986. Também o facto destas eleições terem um aumento de mais de 1 milhão e 100 mil eleitores, em relação às presidências de 2016, com a Lei 47/2018, que proporcionou um recenseamento automático dos portugueses residentes no estrangeiro, que eram anteriormente cerca de 300 mil eleitores nos cadernos eleitorais, é um dos fatores apontados por estes especialistas, uma vez que esta participação dos portugueses no estrangeiro é historicamente baixa.
As estatísticas dizem-nos também que são os mais velhos que participam com maior afluência às eleições, são estes que mais votam e mais discutem política, também por serem “afetados” de forma mais direta e imediata que os mais jovens. O eleitorado mais jovem, na generalidade dos casos, não sente tanto na pele a diferença entre um determinado modelo político e outro modelo, entre uma política mais agressiva e outra mais moderada.
A situação pandémica está a agravar-se a cada dia, o receio de contágios é maior e os cuidados estão a ser intensificados, principalmente com o confinamento geral que atravessamos. O grupo de maior risco de contágio são precisamente os mais velhos, aqueles que, historicamente, votam mais, que são mais participativos nos sufrágios.
Este também será um grande desafio, conseguir garantir todas as condições de segurança para que estes eleitores se sintam seguros e protegidos para irem votar, para saírem de casa e estarem numa fila, numa escola, numa Câmara Municipal ou numa Junta de Freguesia, procurando que as desistências não existam por falta de condições sanitárias. Esta terá de ser uma das garantias dos nossos governantes.
A abstenção aumenta de forma galopante em Portugal, a participação dos jovens na política é cada vez menor e, pior que isso, muitas vezes, quando esta existe, é feita de forma errada e sustentada em valores que não passam de interesses pessoais.
É importante que os eleitores percebam o papel que cada um de nós desempenha em e na Democracia, que estes não têm apenas de procurar que o resultado das eleições vá ao encontro das suas crenças, expectativas ou ideias. Estes têm, acima de tudo o que podem pensar, de querer ter a ambição e o desejo de fazer parte da vida democrática.
Os eleitores têm de sentir o peso do seu dever e da sua responsabilidade, que existe uma obrigação moral que é completamente independente do resultado ou das sondagens, que têm uma obrigação a cumprir perante a sociedade, tal como somos “credores de exigir” que todos o façam.
Existe alguma divergência quanto à implementação do voto obrigatório, seguindo, por exemplo, o caso da Austrália, onde foi introduzido o voto obrigatório com o intuito de dar resposta aos elevados níveis de abstenção.
Na minha perspetiva, à priori, a implementação deste voto compulsório iria ser bastante benéfica, uma vez que poderia prever algumas sanções face ao seu incumprimento, aumentando a afluência às urnas e diminuindo drasticamente os valores da abstenção. No entanto, há alguns efeitos perversos e alguns precedentes perigosos que podemos abrir com esta eliminação do voto facultativo, como a descredibilização da democracia e os falsos sinais de saúde democrática, banalizando o ato de votar.
A questão que coloco é: Será que o voto obrigatório irá contribuir para um maior envolvimento político da população, para uma reflexão mais ampla dos eleitores e para um aumento do interesse pelos assuntos da governação do país? Talvez um pouco, mas de que vale um voto obrigado de alguém que vai votar no candidato que calhar no “um dó li tá” ou o voto nulo de alguém que vai escrever no boletim “rumo ao 38”?
O problema central é este mesmo, a linha que separa o votar obrigado do votar de forma consciente, informada e livre, a fronteira que separa o brincar às democracias do lutar pela saúde democrática de um Estado de direito.
Julgo que a abstenção é a expressão máxima de protesto perante um sistema democrático, não é o chamado “cartão amarelo”, a abstenção é mesmo um cartão vermelho aos nossos direitos e à própria Democracia.
Existem alguns eleitores que se esquecem que o voto de “protesto” não se faz no sofá, em optar pela abstenção, faz-se sim na manifestação dos seus votos nas urnas, sejam eles de “protesto” ou não. Quando votamos em “protesto”, seja em branco ou num candidato “fora do sistema”, por exemplo, protestamos contra a política ou contra os candidatos. Por outro lado, optar pela abstenção é um voto de protesto contra o próprio sistema democrático, o que é bem diferente.
Inclusivamente, seria muito melhor se o voto em branco deixasse de ser contabilizado como os votos nulos, sem qualquer expressão, passando a seguir a lógica raiz do voto em branco, o chamado “cartão amarelo”, o que daria outra dimensão prática àquilo que entendemos por “voto em protesto”.
Uma das soluções que aponto para combater este flagelo passa pela facilitação do voto, a sua desmaterialização e deslocalização, um voto mais cómodo aos eleitores. Na Era digital que vivemos, onde quase tudo é tecnológico, o voto eletrónico, até mesmo neste contexto de pandemia, é uma solução que tem de ser debatida e ponderada para resolver muitos destes problemas que persistem em assombrar a Democracia.
Muitos eleitores já votaram antecipadamente, mais de 240 mil inscritos, em que nem tudo correu bem, principalmente pelas enormes filas e tempo de espera que muita gente se deparou. Quais as consequências desta desorganização? Além de muitas pessoas terem desistido de votar (importante saberem que podem votar no próximo domingo, dia 24 de janeiro, sem terem de apresentar qualquer justificação por terem faltado ao voto antecipado), a ponderação do custo-benefício de muitos eleitores, especialmente por terem receio de “perderem” um dia inteiro “só” para votar, é uma das minhas preocupações, levando a que muitos optem por não perder algum tempo numa hipotética fila, abdicando do voto. Esta ponderação de alguns eleitores, tendo por base o passado domingo, será um dos principais adversários do próximo domingo.
A abstenção jovem é enorme no nosso país, são estes que mais abdicam de votar, por muito que sejamos uma geração com acesso a toda a informação, instruída e com acesso a todos os dados que nos alertam para a importância do voto.
Nas redes sociais não se fala de outra coisa, todos os dias temos o Facebook, o Instagram e o Twitter com notícias destas eleições, com críticas aos discursos de André Ventura, com campanhas que se tornam virais, como a do Batom Vermelho, por exemplo. Nenhum jovem eleitor pode dizer que não sabe que vamos ter eleições. Nem pode dizer que não está a par dos candidatos, nem que seja a par dos candidatos que não quer no poder.
Isto é uma questão de dever cívico, de respeito pela Democracia e pelo próximo, pelas próximas gerações e, sobretudo, pelas gerações passadas, por tudo aquilo que conquistaram por nós. Nós, jovens eleitores, temos também de começar a ter esta responsabilidade e maturidade, este respeito e este interesse pelo nosso país e pelo futuro.
Sem dúvida que a Democracia funcionará melhor se todos participarmos e a mantivermos viva, dando valor à sorte que temos em poder escrever um texto a apelar ao voto. Esta reflexão é mais profunda do que pensamos.
Por fim, como última nota, é importante enaltecer que o confronto entre o voto ser um dever ou ser um direito acaba por ser circular. O dever e o direito de votar andam de braços dados em torno da Democracia.
É hora de percebermos que o voto é um direito que não vive sem o dever, sendo o dever que nos garante todos os direitos.
No dia 24, vota por ti, pelos teus, pela Democracia, pelo futuro e por Portugal.
Vota!
O vosso Agente Cogito

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