Alerta Portugal: a escravatura ainda está na nossa rua
- policiasdadoxa
- 10 de mai. de 2021
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Por Miguel Baptista
Com as notícias dos últimos dias, ficámos a saber que, em Portugal, se pratica escravatura moderna. Não é uma exceção portuguesa, uma vez que ela nos chega todos os dias, indiretamente, às prateleiras dos supermercados.
A sociedade da competição e do consumo imediato está tão habituada a focar-se nos desafios materialistas e supérfluos do dia-a-dia que não dá por nada. Não dá por nada ou não quer dar, bastando pensar nos dispositivos eletrónicos que nos rodeiam e fazer uma pequena análise da origem da maioria dos seus componentes, que chegaríamos às conclusões óbvias de que existe alguém a explorar outro alguém.
Não querendo politizar este tema, tenho de deixar a nota de que Eduardo Cabrita é um incompetente e já devia estar na rua. Por outro lado, questiono a atuação dos próprios agentes do SEF e da GNR, que, estando no terreno, têm vindo a assistir a este espetáculo da cultura colonialista há mais ou menos 3 anos.
Retomando o primeiro ponto, é matéria de facto que os preços cobrados nos supermercados por produtos agrícolas e outros mais, como, por exemplo, o peixe, têm na sua origem mão-de-obra barata ou, por outras palavras, escravatura moderna.
Odemira é um exemplo que se repercute pela Europa, União Europeia e outras latitudes, onde os explorados vivem em condições deploráveis, por vezes sem acesso a água potável, higiene adequada e onde se amontoam em quartos para poderem exercer o seu direito ao descanso.
Em Puglia, no Sul de Itália, a exploração nos campos agrícolas é a regra. Da primavera ao outono, senagaleses, costa-marfinenses, malianos, sudaneses, entre outros, vivem em guetos, mais concretamente, em barracas cobertas por cartão e plástico, onde lhes é cobrada uma renda pelos proprietários dos terrenos. Outros habitam as chamadas “casolari”, destinadas ao armazenamento de instrumentos agrícolas, em condições semelhantes aos guetos.
Trabalham na apanha do tomate, azeitona, bróculos, entre outras culturas, das 7h da manhã às 5h da tarde, com meia-hora de almoço pelo meio. O salário? 300 euros mensais, se é que o chegam a receber efetivamente. Dependem de um “Corporal”, fazendo lembrar uma organização militar, neste caso de trabalho no campo, conhecido por ser o sistema do “caporolator”. Estes “corporais” são representantes de empresas agrícolas italianas, que cobram pelos serviços de transporte, alimentação, água, etc., sendo que os preços destes “serviços” são inflacionados, sobrando pouco ou nada dos míseros salários.
Com mão-de-obra barata, os produtores podem negociar preços mais baixos com os retalhistas (cadeias de super e hipermercados) e, consequentemente, estes cobram-nos preços razoavelmente/relativamente baixos por produtos frescos que todos conhecemos e que seriam substancialmente mais caros se os salários dos explorados fossem dignos do século XXI.
Outros setores que utilizam quase-escravos são o têxtil, a pesca e a indústria dos tão desejados aparelhos eletrónicos, nomeadamente telemóveis e computadores.
As grandes empresas “high tech” como a Samsung, Apple, Microsoft, entre tantas outras, recorrem a serviços de empresas estrangeiras responsáveis por explorações mineiras em países como a República Democrática do Congo. Homens e crianças arriscam diariamente as suas vidas nestas minas para nos poderem dar a tão esperada última versão do telemóvel da marca X ou Y, representativa de privilégio e status social na sociedade do capitalismo desenfreado.
Entre as matérias-primas necessárias para a produção de telemóveis, destacam-se minerais como o alumínio, zinco, cobre, lítio, entre outros. Contudo, um dos mais interessantes é um componente chamado tântalo, que, essencialmente, é responsável pela preservação dos dados guardados no telemóvel. Para obter este precioso mineral, a população que vive abaixo do limiar da pobreza entra nas minas, suportadas por barrotes de madeira, com temperaturas superiores a 50º Celsius, onde, por vezes, são abaladas por derrocadas que provocam dezenas de mortes, amputações ou doenças incuráveis, nomeadamente pulmonares.
Por outro lado, na China, as empresas já referidas recorrem ao fornecimento de outro tipo de componentes, como os ecrãs e toda a estrutura exterior e interior dos telemóveis. Qual é o padrão? Estes fornecedores recorrem a trabalho infantil e mão-de-obra muitíssimo mal remunerada, deixando a indústria dos aparelhos eletrónicos com margens de lucro milionárias, vendendo um telemóvel a 900 euros quando o seu preço de produção foi de 5€ euros.
Como é que se combatem estes fenómenos?
O ponto de partida é a consciencialização social. Começar por perceber que é necessária uma reestruturação da economia, onde o comércio local possa passar a ter um maior relevo nas trocas comerciais nacionais. Por outro lado, é necessário deixar de lado o estigma ridículo que está associado a profissões na área da agricultura, das matérias-primas e da indústria transformadora.
A sociedade “do mostrar aos outros” tem de acabar. Tem de acabar por uma questão de racionalidade económica, dado que, se a maioria da população for qualificada no setor terciário (dos serviços), os pilares da sociedade como a agricultura e a construção civil, por exemplo, ficarão atrasados tecnologicamente e em número de trabalhadores em comparação a outros países desenvolvidos. Numa outra perspetiva, o status quo é um cancro, onde pessoas se licenciam para terem a oportunidade de ganharem o melhor salário possível, ao invés de prosseguirem aquilo que verdadeiramente os move. Acham que os níveis de stresse, ansiedade, suicídios, etc. é porque temos uma sociedade feliz?
O segundo ponto é exigir às pessoas que nos representam no parlamento nacional e europeu que façam o seu respetivo trabalho, de forma a cumprirem os tratados ratificados, como a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Miguel Baptista

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