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A borboleta que queria voar

  • policiasdadoxa
  • 21 de mar. de 2021
  • 4 min de leitura

Por Yuliya Kalapuz (convidada)


Atualmente, são poucas as pessoas que não têm uma opinião acerca da crise económica que nos atormenta, ou quanto à crise cultural que muitas vezes é deixada para segundo plano, ou ainda a crise ambiental que nos obriga a pensar em alternativas sustentáveis de forma rápida e eficaz. No meio deste caos de preocupações intermináveis, esquecemo-nos de uma das maiores crises que influencia toda a nossa geração. Mergulhamos numa crise existencial coberta de falsas e astronómicas expetativas e negação crónica.


Se eu pudesse comparar a nossa geração a algum fenómeno da natureza, diria certamente a metamorfose da lagarta em borboleta. O problema começa quando mal o nosso casulo se formou, já nos estão a pressionar para nos tornarmos borboletas. A cada minuto somos bombardeados com mil e três perguntas, pressionados a tomar mil e uma decisões. As crianças que ainda ontem ligavam aos pais para perguntar se podiam fazer os trabalhos em casa da Sofia, hoje roem as unhas de ansiedade porque têm de saber o caminho que querem seguir no futuro.


Aprendemos todas as teorias, correntes históricas, fórmulas e teses dos nossos ilustres antepassados, mas quando é que vamos aprender a teoria da vida? Ou a fórmula de nos aceitarmos para podermos finalmente parar de não aceitar os outros? Como é que é suposto o cérebro não estar exausto quando passamos a vida a memorizar livros, só para os esquecermos assim que o teste termina? Tomar comprimidos para fortalecer a memória, para dormir melhor ou, para acalmar a nossa ansiedade, é a nossa normalidade. Onde está o desenvolvimento artístico e pessoal? Onde está o pensamento criativo? Ah, certo, não temos tempo.


Por vezes, sinto que vivemos num mundo que ao invés de nos incentivar a pensar fora da caixa, obriga-nos a ser essa mesma caixa, quadrada e monótona, levando-nos a chegar aos 30 e a termos esgotamentos nervosos porque o trabalho não nos agrada, a família não nos compreende e nós próprios não sabemos o que queremos, ou no pior dos cenários, quem somos. Gritar por ajuda e dizer que estamos mal? Jamais. Nós crescemos com a premissa de que temos de estar sempre bem, segundo a qual dizer que estamos mal é sinal de fraqueza e a sociedade só precisa de pessoas fortes. Sempre me assustou esta mentalidade de que temos de reprimir tudo o que sentimos porque falar sobre isso é sinal de vulnerabilidade e ninguém precisa de saber que somos vulneráveis.


Assim, o momento em que deveríamos dedicar à formação do nosso “eu” é completamente abafado pelas preocupações de um futuro que pode nunca vir a ocorrer.


Sempre ouvi dizer que daqui a alguns anos vamos ter robôs que farão tudo por nós, mas, muito honestamente, eu acho que esses robôs seremos nós mesmos. Hoje em dia, grande parte de nós já faz as coisas de forma mecânica, muitas vezes sem intenção ou vontade. Estamos presos dentro deste ciclone de rotinas e, pelo que parece, muitos de nós estão perfeitamente confortáveis e seguros dentro dele.


Sinto ainda que estamos constantemente a correr contra o ponteiro do relógio, estamos com tanta pressa de viver, de querer fazer tudo ao mesmo tempo que, no final do dia, não conseguimos desfrutar de nada. Os detalhes importantes passam despercebidos. Só nos restam memórias de momentos pouco vividos, que queríamos viver um pouco mais. Chego mesmo a pensar que hoje vivemos mais para os outros do que para nós mesmos.


A vida do vizinho é mais interessante do que a nossa. A relação da Ana é mais saudável. O trabalho do José é mais bem remunerado. A casa da Carlota é maior. O filho do Jacinto é mais inteligente. Então o que é que vamos fazer? Vamos provar ao nosso vizinho que a nossa vida é uma constante aventura. Mostrar que a nossa relação é como as relações perfeitas que vemos nos filmes. Mostrar que o nosso trabalho é tão bom, que vamos comprar um carro novo em breve. Mostrar que a nossa casa é mais bonita e cheia de quartos vazios para serem ocupados pelo tédio e cansaço. Mostrar que o nosso filho é um crânio e que vai ser um futuro médico ou advogado, independentemente de ter jeito para desenhar ou adorar tocar guitarra. De tanto mostrar aos outros vamos ser mais felizes? Quem é que quer saber da felicidade se, no final do dia, somos melhores do que a Ana, o José, a Carlota e o Jacinto?


Se vocês pudessem ter um poder, qual seria? O meu seria congelar o tempo. Quem me dera às vezes meter a vida em pausa, respirar fundo, olhar para as coisas com calma e tranquilidade, tanto no coração como na mente. Sei que muitos podem pensar que estou a ser demasiado profunda e filosófica no que escrevo, mas, no fundo, apenas estou cansada de viver dentro de um nevoeiro onde aparentemente tudo está ótimo, mas ninguém se sente como tal.


A sociedade espera que sejamos borboletas grandes, elegantes, praticamente perfeitas, mas depois é ela que nos corta as asas quando falhamos ao aprender, quando fugimos aos padrões da “normalidade aceitável”, ou quando a nossa voz e beleza interior começa a incomodar “aqueles que estão no poder”. Irónico, não é?


Aqui têm a minha reflexão sobre a nossa sociedade. Alguns vão concordar comigo. Outros vão discordar totalmente, o que me deixa feliz porque, enquanto houver pensamentos diferentes, opiniões informadas e críticas construtivas, temos espaço para evoluir enquanto seres.


Yuliya Kalapuz




 
 
 

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